terça-feira, 14 de setembro de 2010

O observar de um idoso.

Eu, aqui sentado na minha cadeira de balanço, decidi escrever essa que talvez seja minha ultima tentativa de basta. Cheguei aos meus 85 anos completados hoje, mas o que era pra ser uma grande felicidade, a cada dia mais se torna uma decepção. Na minha época, criança feliz era aquela que estava na rua jogando futebol, brincando de peão ou com seu carrinho feito de caixotes. Meninas feliz, era aquela menina que pegava sua boneca de porcelana e brincava com suas amigas. Felicidade, era poder sentar no almoço e no jantar com meus pais e irmãos, acordar cedo num dia e pedir a benção do meu pai e da minha mãe pra o dia que viria. Amizade era você chegar no armazém de esquina e as vezes perder o tempo pra saber como ia a familia da pessoa que lhe atendia ou de um vizinho que não via faz muito tempo. Namoro, que época boa era aquela pra se ter alguém do lado, pois saberia que não importasse o tempo que passássemos juntos, cumpriríamos o que tinhamos prometido a Deus e as testemunhas ali: "até que a morte nos separe". Pra começar um namoro aquela época, ficavamos um observando o outro, até o homem tomar uma atitude e ir conversar com a menina, seguravamos um a mão do outro e ali passeavamos, andavamos por lugares escondidos, ou que achavamos que era escondido, poderia até darmos um beijo, mas esse seria secreto. Seria o nosso beijo. Pra namorar, tinha que se ir até o familiar pra pedir a mão da menina, pedir a benção dos pais dela e dos meus pra começarmos alguma coisa séria, mas até lá, algumas precauções deveriam ser tomadas pra não manchar o nome da menina. Criei meus filhos com a educação que tive, e fui cedendo em algumas partes. Partes estas que as vezes ia mesmo contra minha vontade, pois sabia que a cada ano que se passasse, o mundo emporcalhava de vez. Vi-os crescer, namorarem, se formarem e ter filhos. Moramos em épocas inesqueciveis, as quais lutavamos pelo que queriamos, não importava o assunto que fosse. Reivindicavamos tudo aquilo que estava errado e cada um lutava não só pelo seu direito, mas também pelo direito do próximo. Fico feliz com a conquista da mulher no espaço de trabalho atualmente, deixando de lado uma vida de escrava vivendo só pra maridos e filhos. Vi um mundo em que tudo era paz se transformar em guerra, acompanhava no meu rádio a tragédia que os Estados Unidos fazia com a União Sovietica. Acompanhei de perto a época da ditaruda militar, tive meu nome em código como muitos outros, por que ajudava pessoas que precisavam contra o governo. Fui um dos participantes dos caras pintadas, fui pra rua mesmo com a idade avançada pra poder ter o direito de votar, direito esse que tenho orgulho a cada vez que vejo meu retrato pendurado na parede. Hoje, acompanho o crescimento dos meus netos e me pergunto todo acordar do dia: Onde está o lugar que eu vivi? Vivo em um mundo que meu vizinho é... quem é mesmo meu vizinho? Qual seu nome? Na verdade, alguém mora ao meu lado? Fico eu me maltratando de me perguntar do por que ao invés dos meninos estarem na rua se esborrachando ao chão, eles estão aqui em casa brincando de uma coisa que tem um controle com vários botões? Por que tem mais valor hoje dar de presente um simples cd pra por naquele equipamento do que dar uma bola pra sair e brincar, olhando no olho, como costumavamos falar?
Uma das coisas que mais me preocupo, é onde estaria a dignidade das pessoas? Hoje se beija na boca de uma forma incontrolável, onde é muito simples você em um minuto tá beijando uma pessoa e no minuto seguinte já está com outra. Mas na verdade não é só isso que me assusta, me assusto da facilidade que é pra uma pessoa dizer um "eu te amo", palavra essa tão pequena mas de grande significado que quase ninguém sabe. Acompanhei meu neto em um namoro seu, interessante, me lembro que a uma semana atrás ele dizia que amava sua namorada, mas quando foi ontem eu o vi com outra menina que ele me disse que já era sua namorada e já a amava mais que tudo. Mas apesar de tudo sou uma pessoa bem humorada, pelo menos eu era, pois vivo num país onde o humor são daqueles que comandam o país e o que é pior, tentam quase todas as épocas de eleições suprimir o humor com seus nomes. Pessoas que estão saturadas de ver noticias em tele jornais sobre corrupções, falta de segurança, educação e saude. Pessoas que todos os dias veem outras pelo retrovisor do seu carro, meninos que mais parecem pessoas adultas de tanto que viveram num país sem futuro, crianças que saem de escolas, onde poderiam tentar ao menos adquirir um futuro melhor, mas saem por que sabem que ali não vão ser nada. Onde estão os futuros jovens que tentamos criar no passado? Lutamos até onde deu por tudo e para tentar dar tudo de bom e de melhor pra nossos sucessores e eles nem aí. Mas como pode? Será num futuro não tão distante, as pessoas saberão o que é amor, ou saberão o que significa familia? Sim, por que essa já não existe mais. Raras são aquelas que tiram um momento junto pra se divertir, sair ou conversar. Quando se pede pra sair é um mal humor pra cá, um mal humor pra lá, jovens que não querem sair de casa por que tem ódio de pais, ou por que essa saída com sua familia pode manchar sua imagem... estou terminando de escrever, como já disse, num esforço que talvez seja em vão de gritar meu ultimo basta e a cada linha que escrevo uma memória de meu passado que já não volta mais, termino aqui esse texto que fiz, por que está quase na hora do almoço e graças a esse mundo moderno, nenhum dos meus filhos estão, meus netos estão pra aula e eu aqui, sozinho, sentarei na mesa na companhia de Deus e quem sabe, não só terminarei meu texto, mas também terminarei essa longa e triste caminhada pelo mundo que já não é meu.

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